sol2070@velhaestante.com.br apžvelgė autoriaus Herman Melville knygą Moby Dick, ou A Baleia
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( sol2070.in/2025/06/livro-moby-dick/ )
Finalmente reli Moby Dick, ou A Baleia (1851, 648 pgs, Editora 34 – 2019), do estadunidense Herman Melville. Considerado um dos mais importantes romances norte-americanos, é um épico de aventura e perdição construído com camadas místicas e existenciais. É daqueles livros que são mais como uma experiência.
Tinha lido na pós-adolescência depois de me impressionar com uma adaptação em graphic novel[^1], e gostado, notando mais o aspecto malucão da coisa. Recentemente tentei reler no original mas não pude atravessar a barreira do inglês mais fabuloso e shakespeariano. Então, encontrei a tradução de Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza (na edição da Editora 34) e adorei.
Mas o livro está longe de ser entretenimento comum. É decepção garantida para quem esperar algo no nível dos produtos culturais mais consumidos hoje.
Levei meses nessa leitura. Além da linguagem, há exposições enciclopédicas sobre baleias, navegação, instrumentos, o processo …
( sol2070.in/2025/06/livro-moby-dick/ )
Finalmente reli Moby Dick, ou A Baleia (1851, 648 pgs, Editora 34 – 2019), do estadunidense Herman Melville. Considerado um dos mais importantes romances norte-americanos, é um épico de aventura e perdição construído com camadas místicas e existenciais. É daqueles livros que são mais como uma experiência.
Tinha lido na pós-adolescência depois de me impressionar com uma adaptação em graphic novel[^1], e gostado, notando mais o aspecto malucão da coisa. Recentemente tentei reler no original mas não pude atravessar a barreira do inglês mais fabuloso e shakespeariano. Então, encontrei a tradução de Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza (na edição da Editora 34) e adorei.
Mas o livro está longe de ser entretenimento comum. É decepção garantida para quem esperar algo no nível dos produtos culturais mais consumidos hoje.
Levei meses nessa leitura. Além da linguagem, há exposições enciclopédicas sobre baleias, navegação, instrumentos, o processo de descarnar os mamíferos etc.
Como disse um crítico[^2]:
Embora ler “Moby Dick” seja um pouco como estar chapado, também evoca um ar de Asperger. Ishmael vai lhe contar tudo o que você queria saber sobre a baleia e muito do que ele inventou.
Também diz:
Parece algo que foi escrito antes da invenção dos livros, mas é totalmente moderno — pré-pós-moderno, talvez.
Exemplos da atualidade de Moby Dick: a quantidade de obras mais sombrias que influencia até hoje[^3], ou até a escalada atual na guerra de humanos contra a natureza e consigo mesmos, prometendo colapso, sem compreensão sobre o mistério natural perpassando tudo a partir de ecossistemas e do próprio planeta.
Outro elemento de vanguarda da estória está no preâmbulo da jornada, quando o outsider deprimido Ishmael vaga pelas cidades portuárias remoendo sua aversão aos valores dominantes — a voz tem muito apelo para a atualidade. Ele encontra Queequeg, um indígena todo tatuado de uma ilha polinésia, exímio arpoador. Pode-se dizer que se apaixonam, com casamento simbólico e tudo. Queequeg é um contraponto vivo da civilização moderna. Também embarca na viagem.
Como dizem, um dos maiores atrativos de Moby Dick é a simplicidade da premissa, sendo basicamente uma estória de pescador: Ishmael embarca num navio baleeiro, desavisado sobre o capitão aterradoramente alucinado, Ahab, que faz da sua vida o ódio e perseguição ao mais lendário e monstruoso cachalote, Moby Dick.
Mas não é só uma baleia. Há 200 anos, elas eram equivalentes a dragões, leviatãs míticos, mas que podiam ser caçados, tendo um preciosíssimo óleo essencial. Para compreender e apreciar do que se trata, é preciso esquecer tudo o que sabemos hoje sobre baleias e entrar nessa visão supersticiosa, de reverência pervertida — em que aquilo que há de mais magnífico é assassinado e erguido como troféu.
O desconhecimento da época sobre baleias e a vida marinha não apenas é reproduzido como atua como um elemento-chave temático: a ignorante arrogância humana contra a natureza e seus mistérios mais profundos.
O cenário é toda a existência:
Assim esse misterioso e divino Pacífico cinge quase toda a vastidão do mundo; faz de todas as costas uma única baía; parece a maré pulsante do coração da terra. Soerguido por tais ondas eternas, você não pode deixar de reconhecer o deus sedutor, inclinando sua cabeça diante de Pã.
Ahab começa a aparecer e vemos que não é apenas uma aventura de caçador. É uma viagem interna. A motivação básica não é desejo ou cobiça, mas, sim, descer até as profundezas do mistério do mundo.
Alguns trechos que grifei sobre isso:
Uma das fantasias mais extravagantes que surgiram, como as que por fim acabaram associadas à Baleia Branca na mente dos inclinados à superstição, era a ideia sobrenatural de que Moby Dick tivesse o dom da ubiqüidade, que tivesse de fato sido encontrado em latitudes opostas ao mesmo tempo. (…) não causa surpresa alguma que alguns baleeiros fossem além em suas superstições; declarando Moby Dick não apenas ubíquo como imortal (já que a imortalidade é somente a ubiqüidade no tempo)…
[Ahab:] Todos os objetos visíveis, homem, não passam de máscaras de papelão. Mas em todos os eventos — na ação viva, na façanha incontestável — revela-se alguma coisa desconhecida, mas racional, por detrás dessa máscara irracional. Se um homem quer atacar, que ataque através da máscara! Como pode um prisioneiro escapar a não ser atravessando o muro à força? Para mim, a baleia branca é o muro, que foi empurrado para perto de mim. Às vezes penso que não existe nada além. Mas basta. Ela é meu dever; ela é meu fardo; eu a vejo em sua força descomunal, fortalecida por uma malícia inescrutável. Essa coisa inescrutável é o que mais odeio; seja a baleia branca o agente, seja a baleia branca o principal, descarregarei meu ódio sobre ela.
Tudo o que mais enlouquece e atormenta; tudo o que alvoroça a quietude das coisas; toda a verdade com certa malícia; tudo o que destrói o vigor e endurece o cérebro; tudo o que há de sutilmente demoníaco na vida e no pensamento; em suma, toda a maldade, para Ahab, se tornava visível, personificada e passível de ser enfrentada em Moby Dick. Amontoou sobre a corcova branca da baleia toda a cólera e a raiva sentidas por sua raça inteira, desde a queda de Adão; e então, como se seu peito fosse um morteiro, ali fez explodir a granada de seu coração ardente.
Como se vê, a fixação de Ahab não é nada cristã. Na verdade, ele é um shakespeariano adorador do fogo:
[Ahab:] “Ó tu, espírito translúcido de fogo translúcido, que outrora nestes mares, como um persa, adorei, até que no ato sacramental fui por ti tão queimado, que ainda hoje guardo a cicatriz; agora te conheço, tu, espírito translúcido, e agora sei que teu culto é desafiar-te. Amor e veneração não te fazem benevolente; e mesmo pelo ódio tu sabes apenas matar; e tudo destróis. Não é um tolo destemido que ora te enfrenta. Reconheço o teu poder sem lugar ou palavra; mas até o derradeiro alento desta minha vida de terremotos contestarei tua dominação incondicional e absoluta sobre mim. Em meio a essa personificação do impessoal, há uma personalidade aqui. Embora eu seja, no máximo, somente um pormenor; de onde quer que eu tenha vindo; para onde quer que eu vá; enquanto viver neste mundo, a personalidade régia vive dentro de mim e tem consciência de seus régios direitos. Mas guerra é dor, e o ódio, infelicidade. Vem na tua mais baixa forma de amor e eu estarei de joelhos para beijar-te; mas em tua mais suprema, vem como simples força divina; e embora lances esquadras de mundos carregados, há qualquer coisa aqui dentro que permanece indiferente. Ó tu, espírito translúcido, do teu fogo me fizeste, e como um verdadeiro filho do fogo eu o exalo de volta a ti.”
A edição comentada da Companhia das Letras, inclui prefácio do filósofo francês Albert Camus, entre outros ensaios (Moby Dick é um dos poucos livros sobre o qual saboreio também as análises). Diz ele:
Falar em poucas páginas sobre uma obra que tem a dimensão tumultuosa dos oceanos onde nasceu não é muito mais fácil do que resumir a Bíblia ou condensar Shakespeare.
A história do capitão Ahab, por exemplo, lançando-se do mar austral para o setentrião no encalço de Moby Dick, a baleia branca que lhe amputou a perna, pode sem dúvida ser lida como a paixão funesta de um personagem que enlouqueceu de dor e de solidão. Mas também é possível contemplá-la como um dos mitos mais arrebatadores já imaginados sobre o combate do homem contra o mal, e sobre a lógica irresistível que acaba por investir o homem justo contra a criação e o criador, depois contra seus semelhantes e contra ele próprio.
A edição da 34 também inclui diversos ensaios, entre eles um do escritor inglês D.H. Lawrence. Escrevendo em 1923, ele comenta o misticismo invertido do capitão:
(…) subitamente ele sente o navio se afastando rapidamente dele, numa mística reversão.
“A minha impressão mais forte era de que, por mais rápida e impetuosa que fosse aquela coisa na qual eu estava, ela não estava se dirigindo a um porto à frente, mas que fugia de todos os portos que deixava para trás. Uma sensação violenta e desnorteante, como de morte, invadiu-me. As minhas mãos se agarraram convulsivamente ao leme, mas tive a impressão enlouquecida de que o leme, por algum encantamento, estava invertido. Meu Deus! O que há comigo?, pensei.”
Essa experiência de sonho é uma experiência real da alma. Ele termina com uma advertência a todos os homens, que não admirem o fogo vermelho quando sua vermelhidão faz com que todas as coisas fiquem como que desencarnadas.
Pois aquele estranho espetáculo que se observa em todos os cachalotes agonizantes — o movimento da cabeça voltando-se na direção do sol e morrer assim —, aquele estranho espetáculo, contemplado num tão plácido entardecer, de certo modo proporcionava a Ahab um maravilhamento até então desconhecido.
“Ele sempre se volta para aquela direção — quão lento, e no entanto firme, é seu semblante venerando e vocativo, na eminência de seus últimos e agonizantes movimentos. Também ele adora o fogo (…)”
Assim, Ahab realiza seu solilóquio: e assim a baleia de sangue quente se transforma pela primeira vez no sol, que a fazia surgir das águas.