sol2070@velhaestante.com.br apžvelgė autoriaus Fiódor Dostoiévski knygą Crime e Castigo
Envolvente e relevantre
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( sol2070.in/2025/08/livro-crime-e-castigo-dostoievsky/ )
Um dos prazeres de envelhecer é reler grandes obras apreciadas décadas antes. Como Crime e Castigo (Преступленіе и наказаніе, 1866, 608 pgs), de Dostoiévski.
Quem nunca leu pode imaginar que esse romance russo de 160 anos seja impenetrável ou irrelevante. Pelo contrário, é envolvente como uma novela da TV (não é que Dostoiévski seja novelesco, as novelas é que são dostoievskianas). Crime e Castigo foi publicado originalmente como um folhetim serializado numa revista, e as obras do autor tinham um público amplo quase como o da TV. Li a primeira vez praticamente adolescente e, mesmo na época, já tinha me cativado.
Lembro que Nelson Rodrigues, outro autor deliciosamente folhetinesco, costumava exagerar que não é preciso ler muitas autoras para escrever boas estórias, basta Dostoiévski, estando tudo ali. Mas a escritora que mais me levou a reler o russo agora foi Ursula K. Le Guin, cuja …
( sol2070.in/2025/08/livro-crime-e-castigo-dostoievsky/ )
Um dos prazeres de envelhecer é reler grandes obras apreciadas décadas antes. Como Crime e Castigo (Преступленіе и наказаніе, 1866, 608 pgs), de Dostoiévski.
Quem nunca leu pode imaginar que esse romance russo de 160 anos seja impenetrável ou irrelevante. Pelo contrário, é envolvente como uma novela da TV (não é que Dostoiévski seja novelesco, as novelas é que são dostoievskianas). Crime e Castigo foi publicado originalmente como um folhetim serializado numa revista, e as obras do autor tinham um público amplo quase como o da TV. Li a primeira vez praticamente adolescente e, mesmo na época, já tinha me cativado.
Lembro que Nelson Rodrigues, outro autor deliciosamente folhetinesco, costumava exagerar que não é preciso ler muitas autoras para escrever boas estórias, basta Dostoiévski, estando tudo ali. Mas a escritora que mais me levou a reler o russo agora foi Ursula K. Le Guin, cuja preocupação com a ética em sua ficção foi muito influenciada por ele.
O livro conta a estória de Raskólnikov, um ex-estudante de direito que assassina uma idosa e sua filha para roubar. Poderia se passar tranquilamente hoje. Um feito impressionante é que a trama prende e envolve mesmo sendo majoritariamente psicológica. Mergulhamos no tormento mental do jovem.
Não só o protagonista, mas todas as personagens são muito vívidas, algumas fascinantes, como a santidade da prostituta Sonia ou o niilismo de Sridigailov.
Outro mérito do livro é justamente humanizar pessoas consideradas monstruosas, como Sridigailov ou o próprio Raskólnikov. Ao retratá-las como não tão distantes assim da “normalidade”, a estória tem uma qualidade de antídoto contra a rasa desumanização de pessoas consideradas inumanas.
Outra linha interessante e relevante está em uma das motivações do homicídio. O protagonista acredita num tipo de supremacismo (apesar de não usar essa palavra), em que “pessoas extraordinárias” — como Napoleão Bonaparte — não precisam se conformar às leis e normas sociais, porque sua capacidade de realizar grandes feitos seria muito maior do que eventuais deslizes considerados imorais. Submeter-se ao julgamento alheio seria coisa para a massa de ignorantes. Claro que Raskólnikov se coloca entre a minúscula porção extraordinária da humanidade (tal supremacismo talvez nunca tenha sido tão intenso quanto o que vemos na atual classe de bilionários).
Entretanto, no final, ele reconhece que não é assim especial, ficando sugerido que talvez ninguém seja. O livro poderia ser sintetizado nisso: a tragédia de alguém que foi até o fim nesse supremacismo de se ver acima de todas as outras pessoas.
O que mais assombra é que, na verdade, não fica inteiramente claro porque ele cometeu o crime. Tal tentação poderia afligir qualquer pessoa. Como diz o crítico literário Harold Bloom (em Como e Por que Ler):
Não consigo ver como um leitor comum, de mente aberta, poderia definir, com um mínimo grau de certeza, a motivação das transgressões de Raskolnikov, no sentido corrente da palavra “motivação”. A perversidade, tão arraigada em Svidrigailov, lago e Edmundo, ocupa pouco espaço nas psiques de Raskolnikov e Macbeth, o que torna a queda desses personagens ainda mais aterrorizante.
Os motivos já citados de porque o livro envolve também podem ser vistos como falhas. Há frequentes explosões de emoções e sofrimentos na beira do melodrama. Não só não é sutil como os sentimentos são minuciosamente explicados e comentados. Bloom também diz:
Por mais envolvente, o romance Crime e Castigo não deixa de ser um tanto tendencioso, falha sempre presente em Dostoiévski, autor aguerrido, cuja perspectiva contundente fica sempre explícita em tudo aquilo que escreve. Seu propósito é soerguer-nos, como Lázaro, do nosso niilismo ou ceticismo, e converter-nos à Ortodoxia. Eminentes escritores, como Tchekhov e Nabokov, não o toleravam; para tais escritores, Dostoiévski não era um artista, mas um pseudoprofeta de voz estridente.
Imagino se o motivo disso não seja a aspiração do autor de atingir um público maior, do mesmo modo que novelas televisivas hoje — não tem como haver muita sutileza aí. Focar apenas nesse aspecto seria subestimar Dostoiévski.
Li a bela edição da editora Martin Claret, em que o tradutor Oleg de Almeida recriou muita da linguagem arcaica do romance. Já a edição da Todavia, traduzida por Rubens Figueiredo, me pareceu, lendo as primeiras páginas, mais direta e contemporânea.