sol2070@velhaestante.com.br apžvelgė autoriaus Gibson, William. knygą Neuromancer (Sprawl, #1)
Envelheceu bem
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( sol2070.in/2025/10/neuromancer-william-gibson-cyberpunk/ )
Um dos romances relidos que mais me prenderam: Neuromancer (1983, 320 pgs), de William Gibson.
Apesar de não ter sido a primeira obra cyberpunk, foi a que espalhou esse conceito pelo planeta, assombrando a imaginação coletiva até hoje — em parte por refletir o presente, em outra, por fabricar uma atração ambígua por esse futuro horrendamente glorioso.
As ideias associadas estão tão disseminadas pela cultura pop que é comum o sentido original de “cyberpunk” ficar esquecido. Não é apenas uma estética urbana repleta de implantes biotech, cabelos coloridos e gadgets em um degenerado mundo futurista.
A parte cibernética se refere a modificações tecnológicas no corpo e mente tão intensas que é preciso repensar o que é ser humano. Essas tecnologias não flutuam num vácuo neutro como mero progresso ou evolução. São produtos das megacorporações reinantes. Assim, a natureza humana é transformada — ou …
( sol2070.in/2025/10/neuromancer-william-gibson-cyberpunk/ )
Um dos romances relidos que mais me prenderam: Neuromancer (1983, 320 pgs), de William Gibson.
Apesar de não ter sido a primeira obra cyberpunk, foi a que espalhou esse conceito pelo planeta, assombrando a imaginação coletiva até hoje — em parte por refletir o presente, em outra, por fabricar uma atração ambígua por esse futuro horrendamente glorioso.
As ideias associadas estão tão disseminadas pela cultura pop que é comum o sentido original de “cyberpunk” ficar esquecido. Não é apenas uma estética urbana repleta de implantes biotech, cabelos coloridos e gadgets em um degenerado mundo futurista.
A parte cibernética se refere a modificações tecnológicas no corpo e mente tão intensas que é preciso repensar o que é ser humano. Essas tecnologias não flutuam num vácuo neutro como mero progresso ou evolução. São produtos das megacorporações reinantes. Assim, a natureza humana é transformada — ou deformada, poderia ser dito — pela lógica inumana de poderosos conglomerados industriais. É aí que entra o “punk”: a revolta e contestação agressivas. Mais atual do que nunca.
Em Neuromancer, acompanhamos Case, um hacker mercenário que teve sua habilidade de mergulhar no ciberespaço frita após uma trapaça mal–feita. É curado, após ser contratado para um serviço que envolve uma misteriosa e onipresente inteligência digital.
A estória envelheceu muito bem. Em 1983, a ideia do ciberespaço como uma imersiva internet psicodélica tinha apelo. Mesmo já nos anos 90, quando li, também fiquei fascinado, com toda uma geração que via a chegada dos computadores e da era da informação de forma inocente.
Hoje isso lembra mais o ridículo metaverso de Marck Zuckerberg, e outros jogos online de vidinha virtual.
Por mais fantástico e irreal que fosse o delírio tecnológico de Gibson, fazia sentido, de um modo ambíguo: carregava promessas de libertação ou até transcendência, com perspectivas obscuras de ruína total.
O próprio escritor admitiu que escreveu sobre tecnologias que não entendia. Não é daquele jeito que computadores, vírus e código-fonte funcionam. Entretanto, até hoje ainda continua aparecendo aquela imagem em que a pessoa interage com massas de informação por meio de uma interface em que os dados são ricas formas tridimensionais de um universo digital quase infinito. Foi Neuromancer que inventou esse sonho de codificação informativa.
O romance envelheceu bem porque na verdade os detalhes técnicos não importam. Há algo vivo pulsando por trás dessas máquinas assombrosas. A mecânica da coisa é pouco factível, mesmo como projeção futurista; entretanto, fazem parte de um sistema coerente. Como romances de magos e dragões — há uma lógica interna na magia predominante que não é quebrada. Fora que Gibson é um mestre em inserir tecnologias estranhas sem comprometer o ritmo com didatismo e exposição. Muitas das pessoas que tentaram imitá-lo falharam por não terem sua prosa musical. Até hoje.
Deliciei-me com o livro como se fosse uma fantasia retro-futurista.
De certo modo, Neuromancer é como uma atualização cibernética e informacional do primeiro filme Blade Runner (1982). Porque, no fundo, também é um hard-boiled de detetive noir na linha de Raymond Chandler ou Dashiell Hammett. Com protagonista arruinado e viciado, e teias conspiratórias num mundo obscuro, decadente e cruel, povoado por pessoas cínicas, ou afogando-se na degeneração dominante. Como nessas antigas estórias policiais, intriga e ação se alternam sem pausa para muita reflexão.
Mas outro feito do livro é mesclar temas existenciais e até transcendentais nessa ação frenética, outra influência de Blade Runner que virou uma característica do gênero — vide Matrix (aliás, a “matriz” foi inventada em Neuromancer) ou Ghost in The Shell. Especialmente no final enigmático aberto.
Depois, Gibson escreveu mais dois romances no mesmo universo: Count Zero (1986) e Monalisa Overdrive (1988), que formam a trilogia Sprawl. Sprawl é uma megalópolis na costa leste norte-americana, sugerindo que os EUA não existem mais como hoje.